sexta-feira, 27 de março de 2009

São Sebastião/SP
Por: nicofuly

São Sebastião é a cidade mais antiga do Litoral Norte
Ela ainda guarda todo seu charme histórico, através de suas construções e tradições. Percorrer o centro histórico de São Sebastião é descobrir tesouros da arquitetura colonial a cada esquina. O município tem diversos quarteirões tombados pelo Condephaat, em 1969. Ainda assim, muitas das construções foram derrubadas indevidamente. Um trabalho da Prefeitura de São Sebastião vem procurando preservar os exemplares remanescentes. Entre as construções mais significativas do centro estão a Igreja Matriz, a casa de Câmara e Cadeia e a Casa Esperança.
A Casa Esperança é a construção histórica mais nobre do município. É construída de pedra e cal, com argamassa feita da moagem de conchas, areia e óleo de baleia. As peças em pedra que ornam as esquadrias e as pinturas no teto demonstram uma riqueza que não era comum nas construções da época em São Sebastião, que nunca foi um município rico como Paraty, por exemplo. São Sebastião possui mais de 100 Km de Costa com praias paradisíacas.

Praias de São Sebastião
Algumas praias de São Sebastião são conhecidíissimas e viram point da galera no verão, que procuram uma boa pousada ou, para os aventureiros, um bom camping. Essas praias acabam se tornando regiões a parte, no que diz respeito à cidade. Como por exemplo: Boiçucanga, Camburi e a mais procurada delas, Maresias.

Boiçucanga - km 163 - A 35 km do Centro. A primeira referência sobre Boiçucanga está nos livros do viajante alemão Hans Staden, que esteve no Litoral Norte paulista no século XVI. Era o tempo dos índios tupiniquins e tupinambás, e é da língua indígena que vem o nome Boiçucanga: Boi, que significa cobra + Açu, que significa grande + Canga, que significa cabeça. A cobra de cabeça grande seria a serra que isola Boiçucanga do restante do município. Durante a colonização brasileira houve migração
para a região e a economia continuou se baseando na agricultura e na pesca até a chegada da estrada e do turismo, principalmente a partir dos anos 70. Os caiçaras de Boiçucanga, como a família Mattos, por lá desde o início do século, até hoje defendem fortemente sua cultura. Muitos dos moradores ainda vivem da pesca e têm seus barcos. No canto esquerdo da praia é comum ver os pescadores trabalhando. As festas tradicionais, como a de Nossa Senhora da Conceição e a Corrida de Canoas, na Passagem de Ano, são tradicionais e mais vivas a cada ano, contando inclusive com a participação de turistas e veranistas. O "isolamento" geográfico" de Boiçucanga, hoje vencido com a estrada na serra, fez com que o bairro desenvolvesse uma estrutura comercial autônoma, ainda que
em alguns casos improvisada. Tem agência bancária, Correio, mecânicos, restaurantes para todos os gostos e bolsos, lojas de artesanato, boutiques, doçarias e muitos hotéis e pousadas. Para quem quer ficar de frente para a mata, Boiçucanga tem uma das cachoeiras mais lindas da Costa, a cachoeira do Ribeirão do Itu. Não perca o por do sol de Boiçucanga, já eternizado em fotos e quadros: no verão o sol se põe no mar, tingindo de vermelho o horizonte entre as ilhas da Costa.


Camburi - km 165 - A 37 km do Centro. A praia reúne badalação e surf, além de ser o maior centro de artesanato caiçara em caxeta - uma madeira maleável - como pássaros, barcos e peixes multicoloridos. Um passeio que vale a pena em Camburi é conhecer seus sertões: Camburi, Cacau e Piavu, que são verdadeiras áreas rurais em plena Mata Atlântica, com recantos com árvores gigantescas e mágicas, plantas de flores exuberantes e pássaros coloridos. Camburi, nome indígena que
significa Rio Robalo, pela quantidade de Robalo que sobem o rio, um dos poucos peixes que trocam água salgada pela doce. Há uma segunda versão do significado do nome Camburi, que seria Rio que Muda, pois de tempos em tempos o rio muda sua tragetória, ora deságua na praia de Camburi ora em Camburizinho.

Maresias - Não foi por acaso que Maresias, uma praia de 5 Km de extensão de águas azuis e cristalinas, cercada pela exuberância da Mata Atlântica, das encostas da Serra do Mar, se tornou um dos principais pólos do turismo sofisticado do país. Distante duas horas de São Paulo, com casas suntuosas, muita gente bonita, é o ponto de encontro de empresários, intelectuais e jovens executivos que procuram o lazer e o entretenimento nos restaurantes e bares da sua agitada vida
noturna. De frente para o arquipélago de Alcatrazes, a praia de Maresias, com seus coqueiros, areias brancas e soltas, é conhecida internacionalmente pela excelência de suas ondas, sediando durante o ano diversos torneios de Surf.

Praia da Enseada - km 116 A 12 km do Centro. Pouco usada para banho, é o maior criadouro natural de camarão na região. Concentra pequenas propriedades rurais
Praia Brava - Altura do km 137 A 9 km do Centro. Acesso somente a pé, por uma trilha a partir do Canto Sul do Guaecá, com uma paisagem belíssima
Praia da Paúba - km 151 A 23 km do Centro. A praia é pequena, mas muito bonita e freqüentada por veranistas e por quem vai conferir as ondas que quebram perfeitas, mas em apenas alguns dias do ano

São Sebastião – ocupação e trajetória histórica


São Sebastião – ocupação e trajetória histórica
7.1 – Introdução

O município de São Sebastião, no litoral norte do Estado de São Paulo, possui área aproximada de 401 km e uma população fixa de cerca de 58.000 habitantes ( censo IBGE – 2000 ). Sua ocupação colonial remonta a fins do século XVI e início do século XVII, época em que foram doadas as primeiras sesmarias na região hoje dentro dos limites do município.
Com a serra do mar avançando até a costa marítima, de 100 km de extensão, a faixa ocupada é estreita, em poucas áreas o nível do mar se estende, formando planícies, o que chamamos na região de “sertão”. Pode-se dizer que São Sebastião teve períodos de ocupação e ciclos econômicos semelhantes a de outras vilas marinhas de expressão modesta:
· Ocupação indígena, quando a região era ocupada por tupiniquins e tupinambás:
· Ocupação colonial, a partir do século XVII quando se inicia a exploração dos engenhos de cana-de-açúcar e a vila se desenvolve;
· Ocupação caiçara, quando este modo de vida domina a região, marcada pela decadência econômica:
· Ocupação atual, a partir da segunda metade do século XX, com a chegada da Petrobrás e abertura e pavimentação das vias de acesso, possibilitando a exploração turística, a ordem econômica e social sofre profundas modificações.
Essa evolução na história do município trouxe conseqüências vividas hoje, apresentando vários problemas, principalmente ligados a ocupação e exploração do solo e do mar, que se colocam difíceis em sua compreensão e solucionamento, podendo trazer ainda graves consequências futuras.

7.2 – Ocupação indígena

Não há muitas pesquisas e informações sobre o período pré-cabralino na região, mas alguns indícios levam a crer na existência dos “homens dos sambaquis”, população anterior aos tupinambás, baseando-se na utilização pelos portugueses dos restos dos sambaquis em suas construções coloniais. Sabe-se que a área era ocupada por tupinambás, que possuíam seu domínio de Boiçucanga para o norte, existindo áreas de acampamento de pesca ou guerra em São Sebastião e aldeias maiores no litoral sul fluminense. De Boiçucanga para sul era domínio dos tupiniquins. A luta entre essas tribos, inimigas ancestrais, se intensificou com a chegada dos europeus; os tupiniquins se aliaram aos portugueses, chamados por eles de peró e os tupinambás aliaram-se aos mair, franceses, que haviam chegado ao Rio de Janeiro, em 1555.
Uma dessas lutas foi presenciada e, mais tarde, narrada pelo alemão Hans Staden, designado pelo então governador-geral Tomé de Souza para combater os tupinambás a partir da fortaleza de Bertioga; em 1554 caiu prisioneiro dos tupinambás, vivendo com eles durante cerca de 9 meses.
Além desse relato há o aparecimento de cerâmica indígena no bairro de Boiçucanga, de machadinha de pedra na Enseada e a herança toponímica, como os nomes dos bairros Camburi, Saí, Paúba, Barequeçaba, Guaecá, etc...

7.3 – Urbanização – São Sebastião no contexto do projeto de urbanização colonial português

Os critérios tradicionais da expansão portuguesa no mundo visavam a criação de uma rede de feitorias e centros de abastecimento costeiros protegidos por fortalezas. Contrariamente ao encontrado pelos portugueses no Oriente, no Brasil não havia civilizações desenvolvidas e urbanizadas, dificultando, no inicio a repetição do mesmo sistema.
“Durante as primeiras três décadas após o descobrimento, limitaram-se a uma exploração grosseira dos recursos naturais. Esse sistema deu origem às primeiras feitorias e alguns agrupamentos de brancos, com rudimentos de agricultura, povoados, na sua maioria, formado por náufragos.” (1)
Os primeiros colonizadores chegaram a região de São Sebastião nos últimos anos do século XVI. O acidente geográfico, a ilha de São Sebastião, recebeu este nome no período das primeiras expedições exploradoras, provavelmente a 20 de janeiro de 1502, dia de santo do mesmo nome, pela expedição de Américo Vespúcio.
Em 1530, Dom João III, rei de Portugal, divide o Brasil nas capitanias hereditárias. Os irmãos Martim Afonso e Pero Lopes de Souza recebem as capitanias conhecidas como “do sul” : São Vicente, Santo Amaro e Santana.
A atual cidade de São Sebastião teve sua origem remota na doação das oitenta léguas de costa que D. João III concedeu e confrontou a Pero Lopes de Souza, doação essa que, como diz Pedro Taques, rezava o seguinte:
“Quarenta leguas de terra começarão de dose leguas ao sul da ilha de Cananéa, e acabarão na terra de Santa Anna, que está em altura de vinte e oito gráos e um terço, e na dita altura se porá um padrão, e se lançará uma linha, que só corra a l’oeste dez leguas, que começarão no rio Curupacé e acabarão no rio de São Vicente; e no dito rio Curupacé da banda do norte se porá um padrão e se lançará uma linha que corra directamente a l’oeste; e as trinta leguas que fallecem começarão no rio que cerca em roda a ilha de Itamaracá...” (2)

Este citado rio Curupacé é o antigo nome do rio Juqueriquerê, que até a década de 40 do século XX serviu como divisa dos municípios de Caraguatatuba e São Sebastião. Nesta primeira divisão a região onde se desenvolveria a vila de São Sebastião está sob jurisdição do donatário Pero Lopez de Souza, pertencendo então a Capitania de Santo Amaro; porém não há ocupação branca ou povoados nestes primeiros anos.
Como pode ser observado nos trechos de documentação a seguir, os sesmeiros que obtiveram terras nesta região também utilizaram alegações muito semelhantes em seus pedidos de terras, parecendo existir uma espécie do que chamamos hoje de requerimento padrão. É sempre enfatizada a luta pela terra em nome da Coroa, enfrentando índios e piratas, além de possuir numerosa família para povoar a terra.
Os pedidos de terras em São Sebastião se intensificaram a partir de 1600. Muitas petições do mesmo período se destinavam a pedidos de terras na região de Angra dos Reis. Esses pedidos no litoral e o estímulo vindo da Coroa para tal denunciam a necessidade de povoamento e conseqüente defesa do litoral, da qual todos os pretendentes a sesmarias diziam ter participado ou estar dispostos a tal.
Dayse Bizzochi em seu livro “A Terra e a Lei” coloca a seguinte listagem de pedidos de sesmarias em São Sebastião:
· Diogo Rodrigues e José Adorno, 1586;
· Sebastião Leme e outros, 1595;
· Manuel Alvares Chaves, 1603;
· Simão Leitão e outros, 1603;
· Simão Machado, 1608;
· Gonçalo Pedrosa, 1608;
· Diogo Dias, 16...;
· Diogo de Onhate e João de Abreu, 1603;
· Diogo de Onhate, 1608;
· João Batista Adorno e outros, 1609;
· Jacome Lopes, 1609 (data do traslado, afirma possuir sesmaria há 50 anos);
· Simão Machado e Antonio Gonçalves David, 1610;
· Pero Cubas, 1614;
· Capitão do Mar e Guerra don Juan da Costa Tabar, 1620;
· José Bonete, 1634;
· Antonio Coelho de Abreu e outros, 1640.

As divisas contidas nestes documentos são confusas e muitas vezes se contrapõem. E sabido que Diogo de Onhate ocupou o cargo de escrivão da Fazenda e Ouvidoria, servindo a Gaspar Conqueiro, capitão e ouvidor com alçada nas Capitanias de Santo Amaro e São Vicente, loco-tenente de Lopo de Souza, herdeiro dos irmãos Martim Afonso e Pero Lopes. Serviu como tal de 1607 a 1614 aproximadamente, sendo assim, este sesmeiro não residia em suas terras de São Sebastião neste período.
Porém, é esta sesmaria, entre as outras que ocuparam a hoje área do município, que mais se desenvolve. Em sua área original surgem as construções mais importantes para o desenvolvimento urbano e criação de uma vila, como a Igreja Matriz.
Segue trecho da documentação referente as sesmarias de Diogo de Onhate e João de Abreu, conforme citado por Antonio Paulino de Abreu:

Foi Lopo de Souza, quem, por seu loco-tenente, o capitão-mor Gaspar Conqueiro, residente na vila de Santos, concedeu duas sesmarias – uma, a 20 de janeiro de 1603 e outra a 16 de junho de 1609, em que se lê o seguinte:
“Dizem Diogo de Unhate e João de Abreu, moradores na villa de Santos, que elles são moradores de 40 annos nesta capitania, casados e têm muitos filhos e netos, em especial Diogo de Unhate que tem 11 filhos, sendo 7 filhas 5 solteiras para casar, e que não tem terras para fazer seus mantimentos, e por esta causa padece grandes trabalhos e necessidades, e que elles haviam ajudado a sustentar a terra e a defender dos inimigos que a ellas vinham, franceses, inglezes e hollandezes, e contra os indios rebellados, passando nas guerras muitos trabalhos e necessidades, recebendo em seu corpo muitas flexadas e feridas de que o dito Diogo de Unhate ficara manco e aleijado do braço e mão direita, e derramára seu sangue muitas vezes sem ter tido remuneração alguma; e porque a 15 leguas desta villa de Santos, na ilha de São Sebastião, na terra firme defronte della e toda a costa até o Rio de Janeiro eram todas as terras deshabitadas e devolutas, e ainda que eram tão longe pediam para
ambos dois pedaços de terras de mattos bravos que começam defronte da ilha de São Sebastião nos arrecifes que estão juntos de uma praia que chamam Piraquimirim, que estão da banda da terra dos Iguaramimis para o nordeste e que d’ahi vão cortando pela terra adiante ao longo do mar salgado, passando outros arrecifes que estão defronte da ilha ao longo da costa, e d’ahi iria pela mesma praia que se chama Saranambitú e por ella ao diante irá cortando até chegar ao porto das canoas que chamam Ibapitandiba, e deste porto correria direito à serra e pelo cume della iria cortando até onde começou a partir, e toda terra que houver dentro desta demarcação, aguas vertentes para o mar, entrarão nesta data.
E outro sim mais uma legua de terra de mattos, maninhos e capoeiras antigas dos gentios, que estavam devolutas, para plantações e canaveaes, algodoaes e mantimentos porque esta terra firme a queriam para criações a qual terra partiria do capinsal que estava na dita ilha de São Sebastião que era... de ciryba e juá a dar em outro Paraiquê que chamam mirim até a enciada a que chamam dos Inglezes, e que a dita legua de terra fosse em quadra.
Despacho: - Concedo. Santos, 26 de janeiro de 1608. – Gaspar Conqueiro, capitão-mor.” (3)

Como a maioria dos núcleos urbanos dos primeiros tempos de colônia, São Sebastião surge por esforço e interesse dos colonos e donatários. Sua posição geográfica, na costa, entre São Vicente ( fundada em 1532 ) e Rio de Janeiro ( de 1565 ), e o porto natural, proporcionavam possibilidades comerciais.
“As cidades eram criadas em pontos especiais. Funcionavam como centros regionais e por meio delas revelavam-se as tendências centralizadoras da política portuguesa, que se opunham, ainda que discretamente, à dispersão dominante.” (4)
A maioria das terras doadas nesta região o foram para colonos das vilas de Santos e São Vicente, onde a exploração da economia de exportação já havia saturado a distribuição das terras mais próximas. Com o enfraquecimento de São Vicente dentro do esquema de produção de açúcar para exportação, as povoações mais distantes do esquema, como São Sebastião, se dedicavam a agricultura de subsistência e ao comércio.
Elevada a categoria de vila em 16 de março de 1636, São Sebastião está entre as dez novas vilas surgidas nos territórios das antigas capitanias de Santo Amaro e São Vicente entre 1610 e 1670.

“De um auto lavrado no ano de 1636 e que se encontra, segundo documento oficial, à folha 2 do livro do tombo existente na Igreja local, a povoação já era existente havia 30 anos, asserção que é confirmada com o extrato de duas cartas de sesmarias concedidas em Santos pelo Capitão-mor Gaspar Conqueiro, loco-tenente de Lopo de Souza, a 20 de janeiro de 1603 e 16 de junho de 1609.
Essa asserção, da existência do povoado trinta anos antes de 1630, - muitos anos, aliás, - encontra sua confirmação não só nas referidas sesmarias concedidas ... a Diogo de Unhate e João de Abreu, como em outras mais, que tivemos ocasião de verificar no livro original por nós encontrado no Arquivo Público, de onde se julgava ter desaparecido.” (5)

Frei Gaspar da Madre de Deus (1715/1800) em sua obra Memórias para a História da Capitania de S. Vicente descreve assim este período:
“Depois de dadas por Sesmarias tôdas as terras que demoram entre os Rios de Santos e Bertioga, não cabendo já os naturais de Santos na vizinhança de sua pátria, passaram aquele Rio Bertioga e aos poucos se foram introduzindo nas 10 léguas de Pedro Lopes, as quais povoaram até adiante da ilha de São Sebastião. Era estilo ordinário nesse tempo ficarem sujeitas as terras novamente povoadas às Vilas mais próximas a elas, e como nas referidas 10 léguas não havia povoação alguma com Câmara, nem Juizes súditos de Pedro Lopes, ficou subordinado ao Pôrto de Santos tudo quanto seus vizinhos tinham povoado no terreno setentrional da Capitania de Santo Amaro. Por este modo se apossou a dita Vila de Santos não só da Povoação de São Sebastião, mas também de tôdas as 10 léguas, as quais se julgavam pertencentes a Martim Afonso, por estarem no Têrmo de uma Vila sua e serem governadas pelos Capitães, Ouvidores, Camaristas e mais Oficiais de Justiça nomeados por ele e seus sucessores.
Esta posse conservavam a Capitania de São Vicente e a Vila de Santos quando se levantou pelourinho em S. Sebastião, e por isso começa da maneira seguinte o auto da criação desta Vila:
“Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil seis centos trinta seis annos aos desaseis dias do mez de Março do dito anno nesta povoaçam de S. Sebastiam da Terra firme, Termo, e Jurisdiçam da Villa de Santos da Capitania de S. Vicente...”
Nunca se emendou o erro de falar nas 10 léguas como pertencentes a Capitania de S. Vicente, sendo elas de Santo Amaro; antes, pelo contrário, dividindo-se o Têrmo antigo de Santos por Boiguaçucanga, quando a povoação alcançou o fôro de Vila, parte das ditas 10 léguas ficou pertencendo a S. Sebastião e outra parte a Santos, e tudo com o nome de Capitania de São Vicente, que assim a Vila bem como as mencionadas 10 léguas conservaram até o tempo em que às duas Capitanias de S. Vicente e Santo Amaro se deu o nome de Capitania de São Paulo.”

O núcleo urbano pouco se desenvolveu nos primeiros tempos; sendo o açúcar nordestino e, mais tarde, o da América Central, mais vantajosos comercialmente. Ainda assim alguns engenhos e casas eclesiásticas foram instaladas no século XVII.

Entre 1670 e 1720, a colônia vive uma época de intensa urbanização com a descoberta das minas, ponto de atração de colonos e portugueses. A população dos centros urbanos principais sofre grande aumento.
“Os centros menores sofreram um lento aumento demográfico e, com freqüência, diminuição, perdendo habitantes para as minas. Dependendo de um meio rural com produtividade mais ou menos limitada, o afluxo de população provocaria em geral a ocupação de novas terras onde seriam criadas novas paróquias e, em seguida, vilas, mas não seria possível ocorrer a não ser em alguns pontos especiais, uma concentração maior, como seria o caso dos portos principais e, a partir dessa época, as zonas de mineração.” (6)
Situada entre o sul produtor e Parati, porto escoador das minas e de onde partiam as trilhas mais acessíveis entre a faixa de marinha e as vilas mineiras, São Sebastião, até então uma vila muito modesta, começa a desenvolver um período de relativa prosperidade.
Portugueses atraídos pela possibilidade de vender os produtos mais caro aos mineiros, instalam seus engenhos na região. Engenhos caracterizados por conter uma só cobertura para morada e engenho, como a Fazenda Santana, de 1743, e o Engenho D’Água, na ilha.
No início do século XVIII é instalada a Armação de Baleias, no local conhecido como Cabelo Gordo, que juntamente com as armações de Bertioga, Barra Grande, em Santos, Vila Bela e Bom Abrigo proviam a capitania do azeite combustível para iluminação.
Com o contrabando do ouro, vindo das minas pelo Vale do Paraíba e Serra do Mar e indo do porto de São Sebastião para a África completa-se o quadro de atividades de base do período de economia próspera de São Sebastião.
Como conseqüência disso, a vila e as atividades inerentes a ela, como os ofícios mecânicos, o comércio, armazéns, etc, se desenvolvem. Nas fazendas próximas ao núcleo urbano se desenvolveram várias olarias, no início de telhas e potes, mais tarde, de tijolos. No ano de 1788 sua população era estimada em 3500 habitantes, onde cerca de 1000 eram escravos.
Com a introdução do café a região chegou a possuir 106 fazendas, algumas novas e outras, engenhos adaptados. Porém, a sua maior importância era como porto escoador de café do norte de São Paulo e sul de Minas para Santos e Rio de Janeiro.
No ano de 1844, o “Livro de Registro de Escravos de São Sebastião” aponta cerca de 2000 escravos, de várias origens e divididos nas atividades de lavoura, roça, pesca, canoeiro, oleiro, etc.
Com a ferrovia facilitando o escoamento dos produtos através do porto de Santos ( 1817 ) e a abolição da escravatura, São Sebastião entra em profunda decadência; situação que só mudaria na segunda metade do século xx.

7.4 – A vila de São Sebastião, hoje centro urbano e administrativo

O povoamento de São Sebastião se formou por conseqüência da ocupação das terras, servindo como ponto de apoio para a economia de exportação. Como a maioria das vilas do período, apresentava desenvolvimento modesto, sendo o maior movimento causado pelas transações comerciais e portuárias ligadas a produção da cana. No resto do ano o povoado vivia praticamente em abandono, salvo as festas religiosas, fator de concentração e contatos.
O professor Nestor Goulart nos coloca que “a queda dos preços do açúcar no mercado internacional, em meados do século XVII, veio interromper a expansão da agricultura de exportação.” (7)
Com o enfraquecimento da economia de exportação, a mão-de-obra excedente passa a ser utilizada na economia de subsistência e nas construções urbanas e rurais. São Sebastião como centro urbano modesto vai ver sua dependência de centros urbanos maiores como Santos e Rio de Janeiro, onde estavam instaladas as Companhias de Comercio, aumentar consideravelmente.
Não se sabe ao certo a data da construção da primitiva igreja matriz dedicada ao santo padroeiro São Sebastião, condição exigida pela Coroa Portuguesa para o reconhecimento do povoado e sua elevação a categoria de vila. Era de grande interesse dos sesmeiros da região que ali houvesse uma vila, onde seria instituída a Câmara Municipal, conselho de “homens bons”, vereadores que poderiam legislar sobre a área sem a vinculação com a vila de Santos, de quem o povoado era vinculado.
Pouco desenvolvido o povoado é elevado a categoria de vila em 16 de março de 1636, sendo um conjunto de casas de pedra e cal com cobertura de palha, com seu templo, sem torre, dedicado a São Sebastião.
Afonso de E. Taunay nos aponta fato narrado em “História da Expedição de Três Navios Enviados pela Companhia das Índias Ocidentais, das Províncias Unidas às Terras Austrais, em 1721”, de autoria do viajante C.F. de Behrens, onde este alemão, estando em navio holandês, descreve a vila e como foi recebido de forma hostil pelos moradores.

“Descrevendo São Sebastião narra Behrens que a cidade dispunha de medíocre extensão. Pouco fortificada, era circumscripta por uma estacada, provida de alguns canhões. Possuia egreja assás bella e um palácio magnífico de governo. Quanto as casas dos moradores, sua construção era a dos índios.” (8)

Os portugueses chegando aqui se adaptaram aos recursos da natureza para construir suas casas; usaram, no início pedras cortadas das costeiras, conchas dos sambaquis ou ostreiras para fazer a vez de cal, areia das praias e rios e barro. Construíram grossas paredes de pedra e cal, usando na aparência a lembrança da terra natal. Mais tarde, as Câmaras lançaram regras para determinar a aparência das construções, certificando-se para que as vilas no Brasil tivessem semelhança com Portugal.
A vila só se desenvolveria com a descoberta do ouro nas minas e a conseqüente movimentação portuária em seu canal.
“Os centros menores tendiam a utilizar sítios planos, sempre que instalados após a primeira etapa de colonização” (9), quando as vilas eram implantadas, por medida de segurança, em morros ou pontos elevados. Fundado após essa primeira etapa, o povoado foi implantado na planície entre o mar e a serra, na área limitada por dois córregos, o Outeiro e o Ipiranga.
Composto por três ruas longitudinais acompanhando o desenho da costa, ainda que sutilmente, e algumas transversais, o núcleo urbano só estenderia seus limites, impostos pelos cursos d’água, ainda que muito pouco, no século XIX com a abertura da “Rua Nova”, que liga o córrego do Outeiro ao antigo local dos ranchos de canoas, onde deságua o córrego do Ipiranga. Somente a partir de 1960, com a chegada da Petrobrás, os limites destes dois córregos seriam transpostos pela área urbana efetivamente, visto que estas áreas esparsamente ocupadas por chácaras, seriam a chamada área de “rossio” provavelmente limitadas pelas terras da Fazenda Santana, a 3 km ao norte.
As praças e largos abertos por força das convenções coloniais, legais ou não, eram o Largo da Matriz, o espaço religioso, a praça do Coreto, o espaço de comércio, e o Largo da Câmara e Cadeia, o espaço político.
Cabe lembrar que até o início do século XVIII a vila era bem rústica, e somente com os recursos advindos da nova ordem econômica os sebastianenses puderam construir seu prédio de Câmara e Cadeia e alguns sobrados típicos da arquitetura de pedra e cal, comum às cidades do litoral brasileiro.
No entorno da Igreja Matriz se encontram as construções mais antigas, com alguns testemunhos do século XVII, como a própria matriz, porém essa arquitetura primitiva foi substituída pelas robustas construções do século XVIII; se afastando do largo da igreja em direção à praia ou ao sul se encontram as construções de fins do século XVIII e início do XIX, a maioria do centro antigo. Fato que também pode ser notado pela diferenciação da técnica construtiva: pedra e cal no século XVIII e tijolo no XIX, quando a produção oleira das fazendas da região se intensifica. Ainda em direção ao sul foi construída a Capela de São Gonçalo, no século XVII, porém ela não provocou a mesma concentração populacional em seu entorno, como a matriz, sendo a área lindeira ocupada no século XIX, quando da expansão do século XIX, provavelmente através da atuação da Câmara na concessão de datas de terras.
Outro dado importante na análise do centro histórico é a implantação do prédio de Câmara e Cadeia. É sabido que quando da elevação a categoria de vila era instituída a Câmara, a partir de então deveria ser-lhe destinada uma área no núcleo urbano onde seria construído o imponente prédio; ainda é comum encontrar na Carta Régia de Ereção a Vila diretrizes urbanísticas, como se deixar um largo defronte ao prédio, etc e tal. É perceptível esse ocorrido em São Sebastião, visto que o prédio de Câmara só foi construído em fins do XVIII ou primeira metade do século XIX, o largo é separado da Matriz e implantado em seu próprio quadrilátero.

7.5 – 0 bairro de São Francisco – costa norte do município

Em meados do século XVII, Antônio Coelho de Abreu, que recebeu sesmaria em 1640, possuindo em suas terras uma capelinha de Nossa Senhora dos Desamparados, que dotara com 66 braças de patrimônio, resolve doar a mesma para os religiosos da ordem de São Francisco. Na obra “Páginas da História Franciscana no Brasil”, de autoria do Frei Basílio Rower é interessante notar que apenas as terras de Antônio Coelho de Abreu parecem ser documentadas, ou ao menos, somente o nome deste sesmeiro aparece nas listagens de sesmarias doadas em São Sebastião. Quanto mais se avança no tempo e, principalmente, em meados do século XIX mais chácaras vizinhas ao Convento vão existir, portanto, muito provavelmente o sistema de posses também vigorou na região conjuntamente com o sistema oficial.
Segue trecho da carta de doação das terras para os franciscanos:

“Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e cinqüenta e oito, ... os vinte e dois do mês de março, eu Antônio Coelho de Abreu de comum consentimento entre minha mulher Luzia Alves, havemos por bem, movidos por nossa devoção de dar o sítio para o Convento dos Religiosos do P. São Francisco desta Custódia da Imaculada Conceição, e que fazemos, movidos por nossa devoção que ao dito Santo hábito temos e aos gloriosos Padres S. Francisco e S. Antônio do meu nome que eles intercedam por nós diante de Nosso Senhor, e os ditos Religiosos nos façam participantes de todos os seus sufrágios, sacrifícios e merecimentos; declarando que não temos herdeiro forçado a quem possa prejudicar a dita doação para o dito sítio do Convento com entradas e saídas necessárias, o qual o dito sítio começa da parte do sul, partindo com as terras de Luís Cabral de Mesquita, e irá correndo para a costa do mar para a parte do norte cem braças craveiras ( 220 metros ), nas quais cem braças entram sessenta e seis braças, de que temos feito escritura a Nossa Senhora, que como fazemos doação da dita Igreja aos ditos padres de S. Antônio, por sua conta correrão as festas da veneração da Virgem Ssma. Do Amparo, ( e êste queremos seja o título da igreja, que se nomeia nossa Senhora do Amparo ); e pedimos para nossa sepultura um lugar debaixo do arco cruzeiro do altar mor, onde os Religiosos, que pelo tempo vierem, encomendem nossas almas a Deus; a qual doação das ditas cem braças de terra começando do mar salgado correrão para o sertão todo quanto nossas escrituras rezam, com águas vertentes e tudo mais como possuímos, declarando que como as casas, em que moramos, como tôda a nossa família estão situadas dentro das mesmas cem braças de terra não ficarão tôdas livres para o uso dos ditos Religiosos, ...” (10)

No entorno do Convento, construído entre 1657 e 1664, em pedra e cal, surge o povoado de São Francisco da Praia, núcleo ceramista e pesqueiro. Em 1840, os moradores do bairro pedem que nele se crie uma freguesia, primeiro passo legal para elevação à vila e possível independência em relação a vila de São Sebastião; porém não havia igreja que pudesse servir de Matriz, sendo então a capela da Ordem Terceira, contígua à nave do convento utilizada para tal. A freguesia foi criada pela Lei n.º 13, de 2 de abril, pela Assembléia Legislativa da Província de São Paulo, mas extinta em 1859.
Quanto à população do bairro é interessante conhecer a opinião dos padres do convento, irritados com as insubordinações de seus escravos.

“Para o cultivo das terras e outros serviços pesados, já que o número de Irmãos leigos era diminutíssimo porque a Metrópole os julgava inúteis ( ! ), os frades de Nossa Senhora do Amparo tinham certo número de escravos. Não era raro receberem como oferta a Nossa Senhora, como acontecia no Convento da Penha de Vitória. Na falta de documentação anterior, só desde o fim do século XVIII, constam algumas notícias. Em geral, e ... dizer que as molestações, desgostos e aborrecimentos causados pelos cativos foram tão grandes como em nenhum outro Convento da Província. Parece que a causa disso era o parentesco que muitos tinham com os moradores do Bairro, que instigavam os servos a atos de insubordinação.” (11)

Até mesmo hoje é muito clara esta distinção entre o bairro de São Francisco e as demais regiões do município, como um núcleo que surgiu quase que simultaneamente aos centro da vila, ele se mantém com características muito próprias nas questões culturais e políticas. É aqui que surge uma das mais belas e fortes manifestações culturais de São Sebastião – A Congada. Em homenagem a São Sebastião e São Benedito é um auto e dança que representa a luta de mouros e cristãos, com elementos da cultura africana negra e feudal européia.

Ainda na região da costa norte há notícias de dois engenhos, A Fazenda Santana, no Pontal da Cruz, e a Fazenda Mesquita, na Cigarras, antes chamada Praia do Barro.
A Fazenda Santana, construída em 1743, onde funcionou um engenho movido à água, até pouco tempo ainda possuía suas rodas d’água, restando atualmente parte do aqueduto de pedra, o sobrado do “senhor”, construído em pedra e cal, e construções mais simples, como a senzala. Em sua sede acontece a tradicional Festa de Santana, a 26 de julho, com tradicional quermesse e a dança do boi investe.
Quanto à Fazenda do Padre Mesquita, somente se sabe que se situava na antiga Praia do Barro, onde foram encontradas ruínas do sobrado, sede construída em pedra e pau-a-pique. Porém é sabido que a família Mesquita possuía terras confrontantes com as do Convento Franciscano e na dita praia do Barro existia uma comunidade até a primeira metade do século XX.
Do loteamento das terras dessas primeiras propriedades, no século XX, foram surgindo os bairros que existem hoje na região.
Na região da divisa com Caraguatatuba existiu uma tradicional comunidade de pescadores, que por volta de 1930 ou 40, construiu a Capela da Enseada, dedicada a Bom Jesus, na beira da Praia.

7.6 – A costa sul do município

A primeira sesmaria de que se tem notícia na costa sul, onde hoje se encontram os bairros das praias de Guaecá até Boracéia, foi doada, em 1586, a Diogo Rodrigues e José Adorno; essa sesmaria possuía divisas “ na praia além de Bertioga até Toque-Toque”. É sabido que na área dessa imensa sesmaria 22 anos depois, em 1608, há mais pedidos de terras na mesma área. O pedido de Simão Machado é nas próprias terras da sesmaria de 1586, ou em parte dela. Também em 1608, Gonçalo Pedrosa pede terras a partir de Toque Toque; terras estas muito próximas de onde se estabeleceram os padres carmelitas .
Seguem trechos desses pedidos de sesmaria.

“Além dessa, que divisava com o lugar denominado Itaco-Toque ( Toque-Toque ) em São Sebastião, e que, como vimos, lhes havia sido concedida no ano de 1586, outras existem como as de Simão Machado, 1608 onde ainda se lê:
...lhe fizesse mercê dar-lhe um pedaço de terra que é nesta costa indo de aqui...........São Sebastião onde chamam Ipianameima que começa a partir do Pirai que das ilhas de Boiguassucanga estava na terra firme e iria acabar na ponta do Toque.........

Outra de Gonçalo Pedrosa, ainda no ano de 1608:
.....na terra firme de .......te da ilha de São Sebastião que está nos mattos..............lograr e aproveitar o qual pedaço de terra começará da ponta do Toque-Toque onde acaba................que tem Diogo Rodrigues e Antônio Adorno que Deus tem.........” (12)

Porém, não há notícia de uma grande ocupação nessas áreas, com exceção da praia do Guaecá, onde os padres do Convento do Carmo de Santos se estabeleceram formando um engenho de açúcar com mais de 80 escravos, em sesmaria doada em 1608. Alguns resquícios dessa fazenda ainda existem, mas muito modificado, somente como marco do local. Aí os padres carmelitas enfrentaram uma revolta de escravos e disputas de terras com posseiros, os quais trataram com agressividade, como se pode ver a seguir.

“Tendo algumas pessoas requerido ao Juiz certa parte da fazenda, alegando que os religiosos a haviam dado a seus antepassados – desde a ponta do buraco do bicho até a Cruz – contra isso imediatamente protestou o Prior, frei Antônio Inácio, dizendo: - ser falso porque esses miseráveis que maliciosamente requererão o buraco chamado do bicho nada tem nessa Fazenda e unicamente lhes foi concedido em outros tempos ahi viverem por esmola, enquanto quiséssemos. “(13)

Sobre o citado buraco do bicho corre uma lenda na região que tem origem no século XVI:

Existia na toca do bicho do Guaecá um terrível monstro marinho. Quando passavam ao largo as naus e caravelas saía o monstro serpente da toca e mergulhava no mar, onde atacava as embarcações e devorava os marinheiros. Estando o padre Anchieta a caminho de Ubatuba, a partir de Santos, onde iria tratar a paz com a confederação dos tamoios, resolveu desembarcar um pouco antes do Guaecá e seguir à pé. Chegando na toca por ela foi entrando e diante do bicho rezou e lhe aspergiu água benta, o monstro se contorceu todo e saiu da toca fazendo terríveis barulhos e se jogou ao mar, onde vomitou os marinheiros e nunca mais apareceu, ficando o lugar em paz novamente.

A documentação sobre a doação aos carmelitas foi transcrita pelo sexto tabelião , sucessor de notas da cidade e comarca de Santos, onde constam as informações de “uma doação extraída do livro do tombo, a fls. 5 v, e pertencente ao Convento de
Nossa Senhora do Carmo, da Vila, hoje cidade de Santos – translado da carta de data das terras da Ilha de São Sebastião pertencente ao convento de Nossa Senhora do Carmo da Vª de Santos – Gaspar Conqueiro ouvidor com alsada nesta
Capitania de São Visente Santo Amaro locotenente e procurador bastante do senhor da Lopo de Souza, Capitão e Governador por el Rey Nosso Senhor das sobreditas capitanias etc. Aos que esta minha carta de data de terras de cesmaria virem Cõtº dela com direito pertencer, faso saber que o Reverendo Pedro Francisco Antonio dalfacia religioso da ordem de nosa Senhora do Carmo vigilante e superior do Convento que estava situado nesta Vila do Porto de Santos me fez petição que avia dezoito anos que os padres da dita ordem tinha fundado mosteiro nesta Vila e residido nela servindo a Deos e a sua Magestade e moradores dela em tudo o que se avia administrando os santos sacramentos da Santa Madre Igreja com grande vontade e amor, e porque os ditos padres do dito convento se sostentão com as esmolas dos moradores por serem as terras em que os ditos moradores labram muito fracas as terras, digo, fracas e assim os ditos padres pasarão muita necessidades a qual os obriga a pedirem que em nome do dito Senhor Lopo de Souza como seu locotenente e procurados bastante lhes fisese merse i esmola em cocorelos com lhe dar hua legoa de terra em coadra tanto de comprido como em coadra, meã légua na terra firme de fronte da ilha de São Sebastião partindo com a data dos filhos de João Baptista Malio e outra mea legoa em a ilha de São Sebastião, partindo com a data dos sobre ditos e que sendo qualquer outra parte que por dar estivese porque para sustento dos ditos padres e da gente de serviso do dito convento lhe era necessario faser mantimentos e tirar madeiras para a igreja e sacristia do dito convento e receberia esmola e merce segundo o que tudo mais largamente na dita petisão se continha havendo eu respeito ao que dito e , ei por bem e lhe faso merce para o dito convento da dita hua legoa de terra que pede asim e da maneira que na dita petisão alega se dada não for porque sendo correra avante e se entendera onde por dar estivese para que as gosem e laborem os ditos padres do dito convento com suas que são por virtude desta carta com todas suas entradas e saidas e lograndoas sem estrobo de pesca algua libre e foras de todo o tributo e pensão somente se pagara dizimos a Deos nosso Senhor de todos os frutos que se nelas colherem esta merce faso em nome do dito governador Lopo de Sousa pelos largos poderes que para isso lenho os quais estão registrados nos libros das camaras destas vilas desta dita Capitanias como por elas consta e para certesa lhe mandei passar a presente carta por mim asinada e sellada por João Antonio Malio escrivão das datas nas sobreditas Capitanias aos vinte e oito dias do mes de Abril , ano do senhor de mil e seissentos e oito...”(14)
Além desta primeira doação de sesmaria o Convento do Carmo de Santos recebeu outras doações aumentando sua área, sendo que em 1632 recebe doação do Conde de Monsanto de terras desde o Rio Pereque-mirim (Toque-Toque) até a Ponta das Canoas; em 1719 recebem de Diogo Pereira de Aguiar e sua mulher Dona Izabel Frias 500 braças na área do Buraco da Serpente ou Bicho em direção ao Barequeçaba.
Legítimos possuidores das terras, os carmelitas instalam na região a chamada Fazenda Guaecá , estabelecendo uma unidade produtiva, sem o objetivo primordial de unidade conventual ou litúrgica, ao contrário dos franciscanos que estabeleceram um convento e igreja de bom tamanho no outro extremo da Vila.
Destacou-se na região como propriedade agrícola, sendo que na virada do século XVIII para o XIX atingiu o seu auge econômico.
Antonio Paulino de Almeida, em seu livro “ Memória Histórica Sobre São Sebastião” coloca que “ano de 1835, segundo afirmava o Juiz Municipal João Martins d’Val, baseado nas informações do alferes José Betancourt, media a referida propriedade três mil e quatrocentos braças de frente ou testada , sendo as suas terras muito boas ao centro e inferiores nos extremos tanto para o norte coma para o sul.
Nesse ano, além de numerosa escravatura, possuía ainda a Capela de Nossa Senhora da Luz, a grande casa da comunidade co várias salas e armazéns; casa e hum engenho bem construído, de fabricar agoardente, com dous alambiques, tres carros e todos os mais pertences, que foram então avaliados por dous contos de reis; huma propriedade de casa, com olaria de fazer telha, contendo dous fornos, por duzentos mil reis; huma propriedade de casa, com fabrica de fazer farinha, contendo huma roda movida a agoa, tambem no valor de duzentos mil reis.
Além disso, existiam vários ranchos cobertos de telhas, muitas canoas grandes, gado, etc.
A Capela de Nossa Senhora possuía boas alfaias, objetos de ouro e prata e paramentos diversos, bem como várias imagens, entre as quais se destacavam as da Santa Padroeira e outra do Senhor Crucificado.
Para que possamos melhor compreender o seu alto preço é bastante dizer que apesar do valor irrisório dado a cada um do móveis, imóveis e semoventes, atingiu dita avaliação a importância de 29:070$000, precisando notar-se que na mesma não está computado o valor das terras, mas tão somente dos prédios.
E para que pudesse alcançar esse total era a Capela de Nossa Senhora calculada em duzentos mil réis; treze cabeças de gado em duzentos e sessenta mil réis e assim por diante.
Como vimos em outro capítulo, a referida Fazenda possuía no ano de 1811 oitenta e quatros escravos e noventa na ocasião em que foi inventariada.
A 3 de dezembro de 1864 insurgiram-se os escravos da Fazenda que pertencia ao convento do Carmo, assassinando o administrador Teixeira Andorinha e produzindo ferimentos na pessoa do camarada Pedro Vitório de Oliveira.
Era o mesmo atentado dirigido também contra o Prior, Frei Manuel de São Vicente Ferrer, que milagrosamente pôde escapar, internando-se na mata, onde depois foi encontrado pelo delegado de polícia, que, sem demora, havia partido para o lugar da sublevação . acompanhado da fôrça de que, na ocasião pôde dispor.
Aí chegando, conseguiu a autoridade refrear o movimento, fazendo prender todos os escravos revoltados e por a ferro os chefes principais.
Instaurou-se o compentente processo, sendo pronunciados quatro dêles.” (15)

Possuidor de 84 escravos, o engenho no início do século XIX poderia ser considerado de grande importância, como relata o pintor Rugendas em seu “Viagem Pitoresca através do Brasil”, onde ele cita que “ as fazendas com trinta ou quarenta escravos e mais ou menos o mesmo número de cavalos e bois são consideradas importantes; mas as de primeira ordem têm pelos menos oitenta negros.” (16)
Fica claro assim, que os carmelitas se preocuparam mais com a produção e escoamento, dada a localização estratégica, a beira-mar, do seu engenho, e menos com sua posição na Vila, não deixando aí uma sólida construção de convento e igreja, como fez a Província Franciscana.
Pode-se dizer que a revolta da segunda metade do século XIX marca o período de decadência da propriedade, sendo pouco conhecida sua história no início do século XX, quando toda a região viveu um período de extrema pobreza. Em 1942, a Província Carmelita Fluminense – Convento do Carmo de Santos, vende a propriedade para os Senhores Cantidio de Moura Campos e Eldino da Fonseca Brancante, conforme escritura das notas do 2º Tabelião de São Sebastião livro 11, fls 920, de 27 de agosto de 1942.

Fato é que essas sesmarias não se desenvolveram, sendo a região pouco ocupada até a segunda metade do século XX, quando foi aberta a estrada Rio-Santos.
No século XVII se erigiu a Capela de Nossa Senhora da Conceição em Boiçucanga, onde surgiu o maior núcleo da costa sul, um povoado entorno da capela e fazendas de café e aguardente no século XIX
As fazendas e engenhos que existiram na costa sul foram poucas e esparsas não deixando resquícios de sua existência.

7.7 – Ocupação caiçara

Com a decadência dos engenhos de cana-de-açúcar e, mais tarde, das fazendas de café, a população da região diminuiu em grande número no final do século XIX e início do século XX. Grande parte da população migrou para o planalto, abandonando suas terras e benfeitorias, engenhos de aguardente, na sua maioria.
Domina a partir de então o sistema de posses em toda a região, com exceção da área urbana central. Nas praias da costa norte e costa sul é comum encontrar o seguinte: as famílias vão ocupando as terras de forma não planejada, os filhos constróem suas casas nas terras dos pais e fazem suas roças de meia nos sertões. Daí surgem as vilas caiçaras, caracterizadas por conjuntos de casas sem muros, construídas de pau-a-pique ou tijolos.
Essa população se voltou para a pesca artesanal e a roça de mantimentos, principalmente a mandioca, uma tradição que sempre existiu na região; é sabido que os padres franciscanos e carmelitas, entre outros senhores de escravos, possuíam escravos com as funções de pescador e marinheiro, além de manter redes de pesca e outros equipamentos.
Cada praia possuía sua pequena comunidade, que logo tratava de construir uma capelinha pequena, mas nos moldes da capela colonial jesuítica, fazendo com que, além do santo padroeiro São Sebastião, cada bairro tenha seu próprio santo e festas populares dedicadas a ele.
Esse modo de vida perdurou durante boa parte do século XX, caracterizando a cultura do município
Com suas comidas típicas como o azul-marinho, prato de peixe ensopado com pirão de banana verde, o peixe seco com batata doce, e suas danças como o Caranguejo, a Folia de Reis, a Congada,etc

7.8 – Situação Atual

A segunda metade do século XIX significou, para as cidades do litoral norte de São Paulo, um período de estagnação econômica. Tal fato se deve à instalação das vias férreas que ligavam São Paulo a Santos, ao interior do estado e ao Rio de Janeiro, desviando o transporte de mercadorias para longe das cidades desta região.
O deslocamento de eixo econômico da Província de São Paulo do litoral para o interior, ocasionou o decrescimento populacional do primeiro. As populações que, tradicionalmente sempre estiveram ligadas às atividades de exploração agrícola no litoral, se viram sem condições de dar continuidade às tais atividades. Assim, donos de fazendas e engenhos deixaram o litoral e rumaram para o interior; famílias inteiras, especialmente aquelas bem posicionadas socialmente, foram se estabelecer na capital. Este decrescimento populacional se acentuou após o fim oficial da escravidão.
A exploração econômica da região adaptou-se a situação; as populações voltaram-se para as atividades mais diversificadas e que garantissem sua sobrevivência imediata, como a pesca artesanal aliada a pequena lavoura de mantimentos, com destaque para a produção da banana.
A par dos núcleos caiçaras voltados para a pesca e agricultura de subsistência, no centro de São Sebastião encontramos também um segmento da população mobilizado em torno de atividades tipicamente urbanas: profissionais ligados a prestação de serviços, como agenciadores das Companhias de Navegação, pedreiros, marceneiros, serviços públicos, comerciantes, professores, etc.
Até 1930 pouco se contava com o acesso por terra, somente com a abertura da Rodovia dos Tamoios, ligando Caraguatatuba ao Vale do Paraíba, a situação começa a se modificar; antigas trilhas são melhoradas facilitando o acesso ao futuro porto.
Reivindicação constante aos políticos da região, a construção do porto era vista pelos habitantes de São Sebastião como solução para falta de recursos. Contando com 6677 habitantes em 1929 e 7340 em 1938, o município viu seu porto construído a partir de 1935. Porém, em pouca coisa a vida do local mudou, visto que a proximidade com o porto de Santos impedia um crescimento maior deste porto.
Assim, quando a Petrobrás instalou-se no município encontrou uma situação muito semelhante à da década de 30. Marcados por este período de decadência, a chegada da empresa, em tempos de ditadura militar, foi vista como uma possibilidade salvadora de crescimento e fonte de empregos.
Com a instalação da Petrobrás, a partir dos anos 60 do século XX, a relação com a terra muda, principalmente na região central. Toda a área antes ocupada com roças e chácaras é desapropriada pela empresa para construção do pátio de tanques de armazenamento de petróleo de apoio ao píer atracadouro de navios, que trazem o Petróleo do Oriente Médio para o Brasil. Para acomodar o crescimento da população, surgem loteamentos populares, construções de casas padrão pelo governo federal, tipo BNH. Além da ocupação de áreas que não eram consideradas centrais, hoje já o são, surge o bairro de migrantes, a Topolândia, local pouco ocupado por tradicionais famílias caiçaras, que aí criavam gado e possuíam seus ranchos de pesca. Afastado do centro cerca de 3 km em direção sul, é lá que vai se concentrar a população de renda mais baixa, que, não sendo de funcionários da Petrobrás, vieram trabalhar na construção de suas instalações e na construção civil, que sofre um período de expansão.
A partir das décadas de 70 e 80, com a melhoria da rodovia que liga São Sebastião a Santos, surge a exploração turística, principalmente na costa sul do município. Há uma nova mudança quanto ao uso da terra, as populações costeiras vendem suas posses e passam a habitar o sertão. A faixa de marinha e adjacente são ocupadas então por casas de veraneio, e mais tarde, por condomínios fechados. Não há mais a relação com a terra através das roças, a população caiçara passa a trabalhar nos serviços ligados ao turismo e uma parcela bem diminuta ainda vive da pesca.
No início da década de 1990 pode-se notar uma nova vertente, com a arrecadação e repasse de novos impostos pagos pela Petrobrás, surge um grande aumento populacional; populações de regiões empobrecidas do Brasil, que vem em busca de melhoria de vida, trabalham geralmente na construção civil, aumentando a ocupação na área dos sertões e mesmo áreas da serra do mar.
Sem coordenação e dominado pela sazonalidade, o turismo de verão, vem agravar os problemas de infra-estrutura urbana do município, que não possui redes de água e esgoto adequadas. Um futuro sem planejamento para toda a região poderá trazer o aumento de bolsões de pobreza, formados por populações parcialmente ocupadas nas temporadas de verão.
Como todas as áreas de litoral com ecossistema frágil, São Sebastião terá grandes dificuldades em conter a ocupação desordenada de seu território, correndo o risco de ver seus recursos naturais desgastados.

7.9 – Notas

1 – PRADO, J.F. de Almeida – Primeiros Povoadores do Brasil ( 1500 – 1530 ) – Edição revista e aumentada, São Paulo, Cia Editora Nacional – 1954 – p. 87.

2 – ALMEIDA, Antônio Paulino – Memória Histórica sobre São Sebastião – São Paulo – Coleção da Revista de História – Arquivo do Estado de São Paulo – 1959 – p. 44.

3 – id., p. 150.

4 – REIS FILHO, Nestor Goulart – Evolução Urbana do Brasil ( 1500 – 1720 ) – Edusp, Livraria Pioneira Editora – São Paulo – 1968 – p. 67.

5 – ALMEIDA, Antônio Paulino – Memória Histórica sobre São Sebastião – São Paulo – Coleção da Revista de História – Arquivo do Estado de São Paulo – 1959 – p. 44.

6 – REIS FILHO, Nestor Goulart – Evolução Urbana do Brasil ( 1500 – 1720 ) – Edusp, Livraria Pioneira Editora – São Paulo – 1968 – p. 83.

7 – id., p. 102.

8 – TAUNAY, Afonso de E. – Anais do Museu Paulista – Volume IV – p.239.

9 – REIS FILHO, Nestor Goulart – Evolução Urbana do Brasil ( 1500 – 1720 ) – Edusp, Livraria Pioneira Editora – São Paulo – 1968 – p. 127.

10 – ROWER, Frei Basílio – Páginas da História Franciscana no Brasil – São Paulo – Editora Vozes – p. 311.

11 – id., p. 317.

12 – ALMEIDA, Antônio Paulino – Memória Histórica sobre São Sebastião – São Paulo – Coleção da Revista de História – Arquivo do Estado de São Paulo – 1959 – p. 46.

13 – id., p.150.

14 – Traslado da data de doação de sesmaria feita pelo Sexto Tabelionato da Comarca de Santos – 25/05/1943.

15 – ALMEIDA, Antônio Paulino – Memória Histórica sobre São Sebastião – São Paulo – Coleção da Revista de História – Arquivo do Estado de São Paulo – 1959 – p. 149 e 150.

16 – RUGENDAS, Johann Moritz – Viagem Pitoresca através do Brasil – p.189.


7.10 – Bibliografia

ABREU, Daisy Bizzocchi de Lacerda – A Terra e a Lei – São Paulo – Co – edição Secretaria de Estado da Cultura e Comissão de Geografia e História – São Paulo – 1983;

ALMEIDA, Antônio Paulino – Memória Histórica sobre São Sebastião – São Paulo – Coleção da Revista de História – Arquivo do Estado de São Paulo – 1959 ;

COMISSÃO Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo – Exploração do Rio Juqueriquerê – São Paulo – 2ª edição – 1914;

REIS FILHO, Nestor Goulart – Evolução Urbana do Brasil ( 1500 – 1720 ) – Edusp, Livraria Pioneira Editora – São Paulo – 1968 ;


ROWER, Frei Basílio – Páginas da História Franciscana no Brasil – São Paulo – Editora Vozes – p. 311.


STADEN, Hans – Duas Viagens ao Brasil – Edusp – São Paulo.

MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da – Memórias para a História da Capitania de São Vicente – São Paulo – Edusp – Itatiaia.